27 de Jan. [1950]
27 de jan. [1950]
The Roosevelt, Madison Ave. e 45th St., Nova Iorque
Querida Candida,
Pois bem, cá estou onde nos conhecemos há dois anos, e bem que eu queria que você estivesse aqui agora, minha querida, para redescobrirmos Nova Iorque juntos.
A viagem tem sido interessante — encontrei o Haly, é claro, e o Dan Kimball em Washington; depois mergulhei no coração sombrio da região carbonífera em Cumberland; e então passei uma tarde em Princeton com o Martin Summerfield. Aqui em NY ainda vou ver o Hap e o Germer, e vou tentar achar um exemplar da Goetia pra você.
Há uma companhia de foguetes começando em Paris e pintou uma vaga por lá que estou de olho caso meus planos na Hughes não vinguem. Preferiria morar em Paris, mas estou em cima de algo grande aqui e é melhor eu ficar até a coisa estourar. Precisa de alguma coisa ou quer algum presente pós‑Natal?
Se você estiver certa de que San Miguel é o lugar pro seu trabalho, sem dúvida vai achar meios de concluí‑lo lá. Caso contrário, fico feliz em ajudar você a se estabelecer por lá se suas finanças apertarem.
Regra geral: ninguém tem certeza da própria Vontade até experimentar de tudo um pouco.
Sobre Magia: hoje em dia tem papo‑furado demais, enrolação demais. Está tudo lá, mas soterrado, como Troia antes de Schliemann. O espírito moderno pede uma abordagem austera e simples, uma paixão ardente pela verdade, sem parcialidade nem mania. Dois mil anos atrás foi justamente por isso que o Cristianismo venceu o gnosticismo: o gnosticismo, embora verdadeiro, era complexo; o Cristianismo, embora falso, era simples e direto. A simplicidade sempre vence nas guerras de ideias e, no momento, a Magia não tem isso. Temos o esqueleto, nos “Direitos do Homem” e nos véus da literatura principal, mas o corpo verdadeiro nunca foi exibido.
O problema da verdade é a racionalização, sutil e invasiva. O existencialismo é tendencioso de um lado, o Cristianismo do outro; a ciência é tão carregada quanto o shakerismo. Não existe objetividade enquanto houver preferência.
Não somos aristotélicos — não somos só cérebro, somos campos — consciência. O dentro e o fora precisam falar: as vísceras, o sangue, a pele; o pênis e a vagina, tanto quanto o cérebro. Temos que botar tudo pra fora — medo e nojo, ódio e covardia, e também beleza, ternura e coragem — e equilibrar tudo. Só aí dá pra chegar na verdade. A mente mede a si mesma com ela mesma — contradição pura, impossível. Mas desse abismo, sabemos, dá pra extrair significado, desde que sirva ao campo inteiro.
Num mundo de parcialidades e pseudoideais, as verdades do outro lado aparecem como horrores e as aceitamos num misto de desespero e abnegação. O conflito é real, e a solução não pode ser “pensada” — isso é tão fajuto quanto o Esperanto. Essas muletas a que recorremos são obviamente falsas — e confesso que muita coisa da Magia me soa assim.
Esses “retornos”, como se a nossa geração adulta pudesse voltar a seja lá o que for, estão fora de curso — temos que avançar até descobrir o que somos, e ninguém jamais esteve lá. Não adianta bancar o adulto quando se é criança, nem a criança quando se é adulto — e fazemos as duas coisas. A única saída é descobrir o que você é e tentar sê‑lo. Claro, se não sobra fé (e não devia sobrar, se pensamos até o fim), então tem que haver um ato de fé; mas isso deve vir depois de um experimento limpo com a verdade.
Algo está se mexendo — na França, na Inglaterra, em Berlim — e até aqui, neste país atrasado, vemos um leve ondular, lá no alto‑mar, prenunciando uma onda enorme que vai atravessar quatro mil milhas e inundar a costa; e, por estranho que pareça — brutal e selvagem como venha a ser —, sinto nisso uma sinceridade investigativa jamais vista.
Podemos sentir, prever em parte, até guiar um pouco, e quem o fizer talvez seja o arquiteto de um novo mundo. É tudo estranho, sem mapa — só a verdade serve aqui, e tem que ser a verdade do sonho, da alucinação e do frenesi tanto quanto a da ciência, da dialética e da economia. E essa verdade precisa ser farejada, caçada até o último refúgio no abismo final.
Minha experiência pessoal e interior — por mais alucinada que seja — tem que valer tanto quanto o que me ensinaram a chamar de “objetivo” e “real”. Isso tudo também é minha verdade — parte de mim — parte do equipamento do meu laboratório cósmico onde começo um experimento de verdade.
Em algum ponto, preciso de experiência interior e pessoal — estou isolado dela, faminto por ela, como todos nós no Ocidente. Não vejo ponto de partida melhor que “Faze o que tu queres há de ser toda a Lei” — nem equipamento melhor que as técnicas mágicas, científicas e psicológicas herdadas. Mas tudo isso se resume a vontade, experimento e honestidade com os dados.
Com amor,
Jack